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O peso da insônia

A privação do sono pode estar associada a uma série de desordens, como síndrome metabólica, obesidade, distúrbios respiratórios, cognitivos e comportamentais em crianças e jovens. A ciência médica tenta relacionar os fatores e mensurar o tamanho do problema

Por Jerry Borges

A associação entre as mudanças nos hábitos de sono e o ganho de peso tem chamado a atenção da ciência. Estudos recentes mostram que crianças com privação de sono ou tempo de sono reduzido apresentam uma tendência ao aumento de peso – e que, por sua vez, o sobrepeso causaria efeitos deletérios à noite dos jovens. Os pesquisadores tentam esclarecer os mecanismos fisiológicos dessa relação, ainda alvo de controvérsias. Alguns especialistas afirmam que a questão estaria sendo superestimada. A diminuição do período de sono médio da população é um comportamento verificado nas últimas décadas nos Estados Unidos. Em 1960, as pessoas dormiam em média 8,9 horas por dia e, em 1995, o número decaiu para 7 horas. Além disso, mais que 30% dos norte-americanos entre 30 e 64 anos de idade afirmam dormir menos de 6 horas por noite.

“A questão da tendência ao sobrepeso é relativamente nova e a relação entre a diminuição do tempo de sono e o aumento de peso ainda não está totalmente estabelecida”, atesta a neurologista Rosana Alves, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP) e assessora médica em polissonografia do Fleury Medicina e Saúde. “Os artigos publicados recentemente se referem a estudos ainda preliminares, mas sabemos que a privação do sono pode interferir nos mecanismos hormonais, podendo levar a alterações tanto do crescimento quanto a obesidade”, diz a pesquisadora. Trabalhos anteriores já demonstraram que dormir pouco na infância tem efeito prejudicial na secreção de hormônios – em especial, o do crescimento. Não apenas a privação de horas de sono – como no caso da criança que se deita muito tarde e acorda muito cedo – mas, ainda, a fragmentação do sono durante à noite poderiam estar relacionados ao aumento das taxas de sobrepeso. “Tanto a redução como a fragmentação do sono podem alterar o metabolismo”, afirma Rosana.

Redução da leptina

Uma pesquisa conduzida na Universidade de Harvard, Estados Unidos, pelo grupo de Elsie Taveras, comparou os hábitos de sono de 915 crianças entre 6 meses e 2 anos de idade com seu tamanho e peso. Foi observado que crianças que dormiam por menos tempo apresentavam um ganho excessivo de peso. A obesidade resulta do desequilíbrio entre o gasto e a captação de energia e sua regulação envolve fatores que controlam a fome, a digestão, a saciedade e os estoques energéticos orgânicos. Indivíduos que dormem poucas horas por noite apresentam uma redução de 15% nos níveis de leptina e um acréscimo similar na concentração de grelina, de acordo com um trabalho desenvolvido na Universidade de Bristol (Inglaterra), por Shahrad Taheri e seus colaboradores. Sabe-se que a leptina, hormônio produzido pelos adipócitos, liga-se ao núcleo ventromedial do hipotálamo, conhecido como centro do apetite, e sinaliza para esse que o organismo está saciado.  A leptina inibe neurônios produtores do neuropeptídeo Y, relacionado aos sinais de fome, e é responsável pela secreção do hormônio estimulador dos melanócitos (αMSH), um mediador da saciedade.

A grelina, por sua vez, é um hormônio peptídico produzido pelo estômago e pela porção inicial do intestino delgado, com a função de estimular a captação de alimentos e a síntese de hormônio do crescimento ou somatostatina, indutora da multiplicação celular, que é produzida principalmente durante a primeira fase do sono. Outro hormônio relacionado com o metabolismo energético encontra-se diminuído na obesidade: a adiponectina, que modula o catabolismo dos ácidos graxos e possui um efeito sobre a síntese de insulina. Esse hormônio é um candidato para o desenvolvimento de drogas para obesidade e diabetes.

Efeitos do sobrepeso no sono

As alterações metabólicas que passaram a acometer as crianças em larga escala nas últimas décadas são consideradas fatores de interferência no padrão do sono. Síndrome metabólica, níveis elevados de triglicérides e aumento do LDL-colesterol, juntamente com o aumento de peso, produzem prejuízos ao organismo que podem se manifestar durante a noite. Entre os casos mais comuns está a apneia obstrutiva do sono. A interrupção da respiração e do sono relacionada ao problema costuma causar noites maldormidas e, como consequência, a criança apresentar sonolência diurna. Reduções na qualidade e na quantidade de sono interferem no desempenho escolar, trazem comprometimentos cognitivos e alterações no comportamento durante o dia, de acordo com Rosana Alves. Uma pesquisa liderada por Amy Wolfson do Colégio da Cruz Vermelha, Massachusetts, Estados Unidos, indicou que adolescentes com notas inferiores dormiam cerca de 25 minutos menos e iam para a cama 40 minutos mais tarde (< 6,5h de sono diário) que seus companheiros com resultados melhores.

Sonolência diurna, alterações de humor e depressão foram mais comuns entre os jovens que dormiam menos. As memórias declarativas (associadas com a lembrança de fatos específicos) e aquelas relacionadas com as atividades cognitivas (importantes para a aquisição de conhecimentos teóricos) são afetadas pela perda de uma fase do sono conhecida como REM (movimentos rápidos dos olhos) se esta ocorrer nas noites seguintes após a aprendizagem, mostrou uma pesquisa liderada por Carlyle Smith, professor da Universidade de Trent, Ontário, Canadá. A memória denominada procedural ou implícita, requerida em atividades esportivas, pode também ser afetada pela perda do estágio 2 do sono, que ocorre nas primeiras horas da manhã nos dias após a aprendizagem.

A fim de estabelecer a relação entre os potenciais riscos de adversidades neurocomportamentais em crianças com distúrbios respiratórios do sono, incluindo peso, tempo de sono e outras comorbidades, um outro estudo avaliou 235 crianças entre 3 e 18 anos de idade com sintomas de distúrbios respiratórios do sono, por meio da polissonografia (Owens et al., 2008). Os pesquisadores encontraram que pouco mais da metade (56%) apresentava sobrepeso, mais de um terço (36%) apresentava privação do sono e quase a metade (49%) obteve pelo menos um diagnóstico mais relacionado ao sono. Quarenta e sete por cento tiveram história de problemas comportamentais e 23% reportaram diagnóstico do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. O trabalho alerta para a necessidade de considerar o sobrepeso, o sono insuficiente e outras comorbidades nas consultas médicas de crianças e adolescentes.

A questão sobre a privação de sono não é nova. No início da década de 1990, o British Medical Journal publicou um editorial alertando sobre uma “epidemia de insônia” que estaria em vias de ser deflagrada pela “agitação da vida moderna”. Alguns estudiosos, porém, defendem que o problema tem sido superestimado, em especial a relação recente entre a obesidade e os short-sleepers, pessoas que dormem menos. A revista NewScientist publicou em outubro do ano passado o artigo Time to wake up to the facts about sleep (“Hora de acordar para os fatos sobre o sono”, em tradução livre), buscando desmistificar a questão. O autor, Jim Horne*, pesquisador da Universidade de Loughborough, Reino Unido, menciona que as condições de sono são melhores atualmente do que há 150 anos − e dorme-se mais e melhor hoje em dia. Com base na literatura médica, ele conclui que está havendo uma supervalorização da associação entre obesidade e privação de sono, e avalia desta com o diabetes.

Um dos estudos que Horne avalia mostra que alterações metabólicas só são observadas em pessoas que dormem menos de 5 horas por dia, o que se aplicaria a menos de 5% da população. Adultos jovens que restringem o sono para 4 horas, por várias noites seguidas, apresentariam um início de intolerância à glicose e da síndrome metabólica, que pode ser precursor do diabetes tipo 2 (Journal of Applied Physiology. 2008;99), mas que isso não representaria o que ocorre no mundo real. Horne acredita que se as pessoas que dormem pouco – mas com qualidade – usarem as horas de insônia para se dedicar a tarefas realmente produtivas, os problemas estariam remediados. A discussão parece estar apenas começando.

Fonte: Revista Pesquisa Médica

2018-04-14T05:23:40+00:00

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