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Os desafios da longevidade

Vivemos mais, enfrentando longos anos desgastados pelo câncer, diabetes ou Alzheimer, doenças ligadas à longevidade. Ao site de VEJA, cientistas explicam como o envelhecimento da população mundial potencializou a ação de algumas síndromes e por que, ainda, a ciência não conseguiu vencê-las

Quando escreveu, nos anos 1970, que “todos aqueles que nascem têm dupla cidadania, no reino dos sãos e no reino dos doentes”, a escritora americana Susan Sontag (1933-2004) enfrentava o câncer, doença que viria a matá-la. Antes que médicos e cientistas fizessem cálculos, gráficos e relatórios, ela previu o que viria a ser o maior drama da longevidade. Viver mais significa potencializar e se habituar a doenças crônicas.

De acordo com os últimos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados na segunda-feira, vivemos 74,9 anos, quatro a mais que na última década. Um quarto de todas as moléstias do mundo atinge quem tem mais de 60 anos: doenças respiratórias e cardíacas, câncer e síndromes degenerativas, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). Quase 10 anos de todas as vidas brasileiras são passados com incapacidades. A morte tardia levou a vida à fronteira entre a saúde e a doença, como escreveu Sontag.

“Convivemos com problemas que teriam nos matado 50 anos atrás. O envelhecimento revelou alguns males, como câncer ou Alzheimer, para os quais, talvez, não haja cura. Iremos aprender a conviver com eles pelo resto da vida”, explica o gerontologista carioca Alexandre Kalache, conselheiro da Academia de Medicina de Nova York e ex-diretor do programa de envelhecimento da Organização Mundial de Saúde.

Doenças crônicas — O envelhecimento inédito da população é resultado da revolução médica e científica das últimas décadas. Até 1950, o mundo enfrentava o fardo da desnutrição e das doenças infecciosas. Esforços mundiais para melhorar o saneamento básico, a qualidade da água e o armazenamento de alimentos, além do desenvolvimento de vacinas que previnem enfermidades como a tuberculose ou sarampo, foram lentamente vencendo as infecções. Enquanto a desnutrição era combatida com alimentos mais nutritivos e melhor distribuídos, os antibióticos tratavam doenças fatais como a pneumonia.

O avanço da idade revelou condições que, até então, não haviam tido tempo de se manifestar. No Brasil dos anos 1950, a expectativa de vida não passava dos 45 anos, pouco tempo para que doenças progressivas como hipertensão, diabetes ou Alzheimer aparecessem. E, quando elas apareciam, em geral, eram fatais. Ataques cardíacos ou quedas de insulina, que não eram prevenidos, matavam sem apelação.

Para evitar essas mortes súbitas, a medicina desenvolveu métodos de investigação, exames e fatores de risco capazes de prevê-las. Atualmente, problemas cardíacos ou câncer podem ser identificados em seu início e, por meio de tratamentos, controlados. A ciência transformou os males fatais em doenças crônicas. “Hoje, até 75% de todas as mortes são hoje causadas por doenças assim e ainda estamos tentando entender e descobrir a melhor forma de lidar com elas”, diz Kalache.

Moléstias invencíveis — Há uma série de doenças que a ciência ainda não conseguiu domar. Duas delas, o câncer e demência, estão estreitamente relacionadas ao envelhecimento da população mundial. O câncer mata 9,9 milhões de pessoas anualmente e 54% dessas mortes ocorrem em pessoas depois dos 60 anos.

A incidência de muitos tipos de carcinomas aumenta com a idade, particularmente depois dos 60 anos. Dados oficiais da Grã-Bretanha mostram que, nos homens, os casos sobem de 116 por 100.000 na faixa etária dos 40 anos, para 3.398 por 100.000 após os 85 anos. O risco de câncer de mama é de cerca de 1 em 400 em uma mulher de 30 anos, enquanto aos 70 anos é de 1 para 9.

Para o médico indiano Siddharta Mukherjee, pesquisador da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, isso se dá porque nossa civilização mais longeva permitiu que o câncer se manifestasse. “À medida que nossa expectativa de vida aumenta, como espécie, inevitavelmente deflagra-se o crescimento maligno das células”, afirma em seu livro O Imperador de Todos os Males, de 2010.

O câncer está ligado ao processo biológico de reprodução das nossas células. Às vezes, o crescimento descontrolado das células cancerosas tem origem numa mutação causada por um agente cancerígeno, mas, em muitas outras situações, a causa parece ser uma mutação aleatória no processo natural de cópia de genes quando as células se reproduzem. Com o envelhecimento, as mutações inevitavelmente se acumulam e, a longo prazo, talvez seja impossível desconectar o câncer de nossos corpos.

“A rigor, enquanto a fração dos afetados pelo câncer rasteja inexoravelmente em alguns países de um em quatro para um em três, para um em dois, é possível que o câncer venha a ser a nova normalidade — uma inevitabilidade. A questão nesse caso não é se teremos um encontro com essa doença imortal em nossa vida, mas quando”, afirma Mukherjee.

Senilidade — Ao lado do câncer, o Alzheimer é a próxima doença a exibir estatísticas dramáticas. As pessoas que exibem a condição devem saltar das atuais 44 milhões para 135 milhões em 2050, de acordo com os dados da OMS. A prevalência aumenta de 5% a 8% em pessoas com 60 anos e dobra a cada 5 a 9 anos. A probabilidade é que, aos 95 anos, 175 idosos em cada 1.000 tenham a doença.

O Alzheimer é a forma mais comum de demência senil e consiste no depósito de placas de proteínas beta-amiloides e proteínas tau no cérebro. O acúmulo dessas placas tem sido apontado pelos pesquisadores como um dos responsáveis pelas alterações cerebrais da doença, que levaria à perda de memória e progressiva incapacidade. Os cientistas ainda não descobriram o que leva essas proteínas a assumirem uma conformação errada e se depositarem no cérebro, causando a morte dos neurônios. Como ocorre com o câncer, é uma deformação de um processo natural de envelhecimento, que causa a doença.

“Todos desenvolvemos essas placas, especialmente após os 40 anos”, explica o neurologista Rudolph Tanzi, pesquisador do Hospital Geral de Massachusetts, da Universidade Harvard, nos Estados Unidos. “A genética e o estilo de vida determinam a extensão da patologia em cada um de nós.”

Tanzi liderou uma pesquisa, publicada na revista Nature, em outubro, que desenvolveu em laboratório uma cultura de neurônios humanos que reproduz as estruturas do Alzheimer. Com ela, os cientistas deram um passo importante para desvendar as causas e o funcionamento da doença que ainda é um desafio para a medicina. “Nossa idade superou nossa saúde, especialmente no que diz respeito ao cérebro”, afirma Tanzi.

Males sem cura — De acordo com os pesquisadores, o aumento do conhecimento sobre essas doenças, com o financiamento de pesquisas sobre envelhecimento e seus processos, além do investimento em estudo sobre as doenças específicas ligadas a ele, é o que vai levar a seu controle. A longevidade gradual da população se tornou uma oportunidade para estudar e desvendar o mecanismo dessas doenças que, até há pouco tempo, não preocupavam a ciência.

Em alguns anos, possivelmente, os males associados à velhice seguirão o exemplo da aids que, hoje, é uma síndrome controlável. Quando se espalhou nos anos 1980, o vírus HIV significava uma sentença de morte. Pouco mais de dez anos depois, com o desenvolvimento da prevenção e de medicamentos que combatem seus sintomas, a mortalidade associada a ela se reduziu. Com os remédios, a aids se tornou uma doença crônica, ainda sem cura. A vida é prolongada em muitos anos, sem que a doença seja eliminada do organismo.

“Atualmente nos concentramos em prevenir os fatores de risco que levam à demência e a buscar indícios que demonstrem a probabilidade da doença, como marcadores genéticos. Tratamos os sintomas, melhorando os outros neurônios, como uma espécie de compensação, mas ainda não encontramos a cura”, explica o psiquiatra Sergio Hototian, do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (Ipq-USP). “As pesquisas recentes se concentram em tentar eliminar o acúmulo da proteína amiloide e tau no cérebro e a promover a qualidade de vida para o paciente.”

Longevidade saudável — Permitir que se viva mais e bem, com pelo menos uma doença crônica, é o grande desafio da ciência que se debruça sobre o envelhecimento. “A longevidade foi um produto do avanço tecnológico e científico. No entanto, ela não é sinônimo de qualidade de vida. Há técnicas para nos manter vivos, mas que nos deixam incapacitados, vivendo mal”, explica Yeda Duarte, professora da Universidade de São Paulo e vice-coordenadora do Estudo SABE – Saúde, Bem Estar e Envelhecimento, estudo sobre as condições de vida e saúde dos idosos de São Paulo, desenvolvido pela Faculdade de Saúde Pública da USP desde 2000. “Vivemos com doenças crônicas, mas não morremos em decorrência delas. É preciso compreender que o envelhecimento saudável não é o envelhecimento sem doenças. Podemos viver mais e com as melhores condições possíveis desde que as enfermidades estejam monitoradas e controladas.”

Um dos caminhos encontrados pelos médicos e cientistas para melhorar o bem-estar de quem convive com problemas crônicos é o dos cuidados paliativos. Esse sistema, desenvolvido no Brasil nos últimos 15 anos, trata os sintomas e busca eliminar o sofrimento causado por eles. “O conhecimento aumentou muito e, atualmente, temos diversos recursos para fazer com que doenças crônicas não sejam sinônimo de uma vida ruim”, afirma a médica Maria Goretti Maciel, presidente da Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP). “Temos a ideia de que envelhecer é um processo de degradação da vida, um erro fundamental. Estar próximo aos anos finais da vida nos leva a viver melhor, com consciência, e precisamos aprender a aproveitar todas as oportunidades que essa etapa nos oferece.”

Fonte: Veja OnLine

2018-04-14T05:23:15+00:00

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